Em Busca da Felicidade



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Em vários aspectos, talvez possamos afirmar que nossa sociedade vive um processo que Beck [2] chamou de “destradicionalização”, onde os valores começam a ser colocados em questão e vão se modificando ao longo desse processo. Talvez não se possa afirmar, como Freud afirmou no início do século XX, que a sociedade repousa sobre as coerções de suas pulsões. Todavia, o que se percebe é uma inversão dessa ideia: a interdição do gozo passa a ser substituída pela obrigação do gozo em um indivíduo que passa a ser responsável e gestor de si mesmo. Nesse sentido, felicidade passa de uma aspiração a um dever.
É dentro de um contexto dessa sociedade hedonista – que remete à prática individual de valorização da busca pelo prazer - ao qual vivemos, que percebemos um esforço imenso do indivíduo em se manter conforme as expectativas postas nele. Nesse contexto, a felicidade é deslocada de uma visão coletiva e transcendente para uma lógica individual e materializada em nossas conquistas, obrigando a um indivíduo a se apresentar e se portar como “mais do que bem” [3].
Por fim, e ligado ao contexto acima descrito, a Psiquiatria (como sistemas de valores e como legitimadora de um discurso científico) tem participação marcante por não só refletir a dinâmica normativa social como também passa a ser agente de reprodução e de regulação.
Através das concepções e contribuições de Benilton Bezerra Jr. [3], podemos pensar nessa relação entre felicidade e a Psiquiatria, dividindo o nosso trabalho em dois pontos: o primeiro diz respeito à expansão dos diagnósticos e o segundo é a redução do limiar entre normalidade e patologia, tornando esse discurso cada vez mais enraizado na sociedade.
Um número maior de diagnósticos.
A expansão dos diagnósticos reflete um processo de abarcar no campo da psicopatologia traços e emoções que antes eram vistos ou considerados como inerentes à existência humana. Um dos exemplos é a introdução no DSM V de transtornos como de desregulagem perturbadora do humor que, até então, não havia sido posto em outros manuais.
Nesse sentido, o que se percebe é um número cada vez maior de pessoas que agora passam a ser consideradas como elegíveis a alguma forma de tratamento clínico, como trazido na publicação Crescei e Multiplica-vos [6].
A impressão que se tem é que estamos vivendo numa fase a qual todo desvio pode ser considerado como transtorno, “não se sabia quem estava são, nem quem estava louco” [1]. Também, nessa lógica, não há mais uma diferença relevante entre doença e transtornos mentais. Porém, diante de todas essas mudanças, o que se percebe é uma certa tolerância social ainda maior à biotecnologia ao discurso médico-científico.
O que normal e o que é patológico? Redução do limiar
Levando a fundo essa ideia de uma expansão clínica, no que tange aos diagnósticos médicos sobre transtornos e uma certa aceitação social a esse processo, fica claro que a diminuição entre o patológico e o normal faz com que um número maior de pessoas tornem-se aptas aos tratamentos por terem algum tipo de transtorno. Bezerra Jr. assinala que com o advento do DSM III “um número cada vez maior de indivíduos passou a ter seu sofrimento descrito e tratado em termos médicos” [3].
Um exemplo prático dessa lógica descrita acima é o processo da medicalização da tristeza e do luto ao qual vivemos nos dias de hoje. De fato, duas semanas de humor deprimido, insônia e a perda de apetite e de motivação nas atividades corriqueiras, mesmo que venham por causa de uma perda de parente ou amigo, poderiam legitimar um diagnóstico de algum transtorno mental [3].
Outro exemplo que pode ser incluído nesse processo de redução do limiar entre patologia e normalidade é a questão da medicalização da beleza. Segundo Neto e Caponi [4], o discurso médico está de tal forma enraizado na sociedade que conceitos, como o de qualidade de vida, estão fundamentalmente relacionados ao conhecimento médico, trazendo a questão da felicidade numa chave biológica, colocando-a como uma busca natural do indivíduo e deixando de lado toda a complexidade social.
Considerações Finais
A patologia representa aqui os “comportamentos parafílicos” que constroem a temática deste blog e as implicações que o uso deste conceito pode acarretar na vida de cada indivíduo. A implicação mencionada, refere-se à relação do que o discurso médico traz como patológico e as diretrizes de felicidade que estão sendo expostas diariamente, sendo pontos para reflexões pertinentes à psicologia e para além do âmbito científico, no que diz respeito a forma de como as pessoas lidam com suas vidas.
A partir disso, o psicólogo deve auxiliar o sujeito à mediar esta tensão entre a busca da felicidade e a forma de lidar com o sofrimento. Vale lembrar que as vivências conceituadas como “parafílicas” não são sinônimos de sofrimento e não devem ser tratadas socialmente como tal, porém não negligenciando o sofrimento que algumas dessas experiências podem acarretar, dado que o mesmo possa vir pelas experiências “parafílicas” ou pelo estigma social.

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Referências

[1] Assis, M. de, (2010). O Alienista. Rio de Janeiro, Ed. Rideel.
[2] Beck, U., Giddens, A. & Lash, S., (1995). Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: editora da Universidade Estadual Paulista.
[3] Bezerra Jr., B., (2010). A psiquiatria e a gestão tecnológica do bem-estar. IN: Freire Filho, João (org.). Ser feliz hoje: reflexões sobre o imperativo da felicidade. Rio de Janeiro, Ed. FGV.
[4] Poli Neto, P. & Caponi, S. N. C., (2007). A medicalização da beleza.
[5] Cinema Secreto.
[6] Russo, J., & Venâncio, A. T. A. (2006). Classificando as pessoas e suas perturbações: a'revolução terminológica'do DSM III. Revista Latino Americana de Psicopatologia Fundamental, 9(3), 460-483.

3 comentários:

Karina Moutinho disse...

Senti falta de nas considerações finais vcs abordarem um ponto importante levantado antes, que diz da redução do limiar. O que isto quer dizer em relação às parafilias? que não são sinônimo de sofrimento?mas é isso que a discussão quer provocar?

Rafa Diehl disse...

Meninas,
A postagem traz uma temática bem interessante mas parece não dialogar muito bem com a proposta do blog, Talvez porque a temática do blog ainda não esteja bem definida. Na medida em que vcs fazem um questionamentos dos diagnósticos e dos limiares entre patologia e normalidade não podem continuar usando o termo parafilias ou "comportamentos parafílicos", pois acabam se mostrando inconsistentes. Dessa discussão trazida, qual seria afinal a temática que organizaria o blog? para seguir pensando...

Henrique Freire disse...
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